domingo, fevereiro 18, 2007

Grandes Jogadores: Manuel Fernandes

Manuel José Tavares Fernandes
Nasceu a 5 de Junho de 1951, em Sarilhos Pequenos (Moita)
Avançado, é o jogador com mais jogos na I Divisão Nacional.


ÉpocaClube (Divisão)Campeonato
JGVED
1967-68Sarilhense (Juvenil)-
1968-69CUF Barreiro (Junior)-
1969-70CUF Barreiro (Jun./I) 30201
1970-71CUF Barreiro (I)196559
1971-72CUF Barreiro (I)28811125
1972-73CUF Barreiro (I)2781089
1973-74CUF Barreiro (I)2668711
1974-75CUF Barreiro (I)28108911
1975-76Sporting (I)29261658
1976-77Sporting (I)26211664
1977-78Sporting (I)28131846
1978-79Sporting (I)24101374
1979-80Sporting (I)29102342
1980-81Sporting (I)23101067
1981-82Sporting (I)27151683
1982-83Sporting (I)2561456
1983-84Sporting (I)30171947
1984-85Sporting (I)27161872
1985-86Sporting (I)29302063
1986-87Sporting (I)29161586
1987-88V. Setúbal (I)28161288
Estreia na I Divisão: CUF Barreiro-Benfica, 0-2 (16-9-1969, aos 65m.)
Treinador: Costa Pereira
Total de Jogos e Golos:644329VED
I Divisão485244254119112
Taça de Portugal695349614
Comp. UEFA4919221017
Supertaça Nacional43112
Selecção Nacional317101011
Outras selecções63411
Títulos:
Campeão Nacional em 79/80 e 81/82
Taça de Portugal em 77/78 e 81/82
Supertaça Nacional em 82/83
Goleador da I Divisão em 85/86


PERFIL Havia saber e desejo de participação a mais para se dedicar apenas a uma tarefa em campo. Trazia escrito no olhar que era ponta-de-lança, mas o veneno do drible curto, a articulação da velocidade com a bola e o entusiasmo com que disparava até ao obstáculo seguinte mostravam a cadência e o tipo de jogo de quem vivera muitos anos encostado à linha lateral. Sim, tornou-se um marcador extraordinário, mas a permanente preocupação de solicitar os companheiros, para progredir em apoio ou mesmo entregar a resolução final do problema a um deles desvendava o esquema de raciocínio de quem pensava sempre no melhor para o colectivo. Sim, marcou centenas de golos, mas o objectivo dos remates certeiros nunca foi aumentar os números de uma conta não controlada: aconteciam quando calhava e, valha a verdade, calhavam muitas vezes. Naturalmente.
Manuel Fernandes gostava muito do golo e dominava em absoluto a relação com o último toque, embora agisse durante toda a carreira como se o mais sagrado dos compromissos fosse com a equipa. Faltou-lhe o egoísmo típico dos grandes goleadores para atingir um patamar ainda mais elevado — nada que beliscasse a noção de felicidade, porque o seu conceito de realização pessoal não distinguia a assinatura do momento mágico, da autoria, por exemplo, do último passe. Dono de um prodigioso entendimento das acções construídas de trás para a frente, era perfeito a gerir a retenção da bola e a soltá-la no tempo certo, prova de que o espaço de manobra e a abrangência da acção era a totalidade do que sucedia entre a linha de meio campo e a baliza do adversário. Na posição específica de avançado, na qual foi grande no seu tempo e um dos melhores de sempre no futebol português, dispunha da quase totalidade das características necessárias: remate forte e colocado (muitas vezes aplicado de longe), excelente jogo de cabeça, velocidade na desmarcação e frieza na abordagem aos guarda-redes. A partir de certa altura acrescentou aos argumentos de ponta-de-lança — que já fora extremo e podia fazer de unidade criativa do meio-campo — o estatuto de capitão de equipa e referência do clube, factor importante para os companheiros e decisivo para intimidar os adversários. O tempo, de resto, consolidou a paLxão pelo Sporting, amor cuja intensidade o levou a pensar mais ni instituição do que em si próprio. Mas esse é um pecado, se pecado for, do qual nunca se arrependerá.

HISTÓRIA Deixara para, trás uma carreira de seis anos como extremo-direito ao serviço da CUF e uma vida desportiva iniciada no clube da sua terra, o 1º de Maio Futebol Clube Sarilhense. que chegou a representar aos 17 anos, na III Divisão. Vivia feliz entre Sarilhos Pequenos e o vizinho Barreiro; com o dinheiro recebido pelo futebol e o emprego na Companhia União Fabril ganhava o suficiente para não ter problemas e, por isso foi recusando sucessivamente as propostas de transferência vindas de FC Porto, Belenenses e Sporting. Por outro lado, a CUF do início dos anos 70 era uma equipa interessante, presença assídua na primeira metade da tabela e que lhe proporcionou, entre muitas outras coisas, a estreia nas competições europeias, a 20 de Setembro de 1972, em Bruxelas, na vitória sobre o Racing White (1-0). A crise na empresa, nascida a partir do 25 de Abril de 1974, confirmou a ideia, já em vigor, de que era jogador a mais para clube tão pouco ambicioso.
CARREIRA No momento decisivo pôde escolher entre Sporting e FC Porto. Por motivos de ordem geográfica (não queria afastar-se de casa) e do coração (sempre fora sportinguista) optou por Alvalade, mesmo que a tarefa, à partida, se apresentasse mais complicada de verde e branco: foi encarado como substituto do argentino Hector Yazalde, grande goleador do futebol português nos primeiros anos de 70, que uma época antes saíra para Marselha, com 104 jogos e outros tantos golos apontados com a camisola do Sporting. Manuel Fernandes não só aceitou o desafio como o venceu claramente, reciclando, com a facilidade dos prodígios, a maneira de jogar, agora numa zona mais central e assumidamente mais próxima da baliza. Na primeira época como leão marcou 26 golos — nas seis anteriores tinha feito 38.
Nos doze anos passados em Alvalade, o momento mais expressivo aconteceu em 1979/80, quando foi campeão nacional pela primeira vez. Já não tinha dúvidas, mas nessa altura teve a certeza absoluta de que não errara na escolha: era totalmente feliz. E assim continuou até ao momento em que lhe apontaram a porta da rua.
DESILUSAO No início de 1985/86, Portugal não estava ainda apurado para o Mundial do México e o cenário para a presença na grande montra não era animador. Manuel Fernandes, com 34 anos, anunciou publicamente ambições moderadas para a época. Ainda desiludido pelo afastamento do Euro-84, afirmou não ter como objectivo estar na fase final do Campeonato do Mundo. Mas a reviravolta foi total: por um lado, a selecção garantiu a qualificação, depois do célebre milagre de Estugarda; por outro, ele próprio arrancou para uma das suas mais extraordinárias temporadas de sempre, no fim da qual foi o melhor marcador do campeonato, com 30 golos em 29 jogos — a única vez em que tal sucedeu. A partir de certa altura, tornou-se caso nacional: o povo, principalmente o leonino, a exigir a presença do goleador, o seleccionador nacional, José Torres, suportado na declaração inicial de pouca disponibilidade para voltar à selecção, a dizer que não tinha sido ele a afastá-lo, mas sim Manuel Fernandes a ceder o lugar aos novos. Por isto ou aquilo, ficou o essencial: "Manel” queria ir e não foi. Quanto aos motivos, e por mais argumentos que Torres apresentasse, pareceu evidente que a sua exclusão obedecia à convicção inabalável do líder da equipa técnica nacional de que nao confiava totalmente nas suas capacidades.
MAGIA Em 1986/87, digerido o golpe da ausência do Mundial, regressou à selecção, mantendo intocável o seu lugar na família verde e branca. A época não estava propriamente a correr muito bem, até ao dia 14 de Dezembro de 1986. Nessa tarde, aconteceu a magia inesperada de um resultado para a lenda: Sporting, 7 - Benfíca, 1. Manuel Fernandes contribuiu para a festa com quatro golos, sendo também por isso o herói da goleada histórica. Manuel José, treinador leonino, não resistiria aos maus resultados que se seguiram e acabou por ser substituído pelo inglês Keith Burkinshaw, antigo responsável de uma excelente equipa do Tottenham da primeira metade dos anos 80 — vencedora da Taça UEFA em 1983/84. Com o destino traçado para os últimos meses, o objectivo foi preparar a época seguinte. Pelo meio, a 7 de Junho de 1987, o Sporting estaria ainda na final da Taça de Portugal, com o Benfica. Perdeu por 1-2. Seria a última vez que envergaria oficialmente a camisola sportinguista: acabou dispensado, como um qualquer funcionário, por decisão do novo técnico, avalizada pelos então dirigentes leoninos.
SELECÇÃO Doze anos separaram a primeira da última internacionalização de Manuel Fernandes, tempo significativo e confirmador da capacidade para se manter no topo durante muitíssimo tempo. Mas não foi feliz na selecçao. Em primeiro lugar, porque nunca foi primeira opção indiscutível para os sucessivos seleccionadores nacionais; depois porque falhou as duas grandes conquistas da geração a que pertencia: o Euro-84 e o Mundial-86, provas nas quais nem sequer participou nas fases de qualificação. O mais que conseguiu foi uma sequência de seis presenças consecutivas na equipa nacional — não falhou um único jogo entre 1977 e 1978 —, para se despedir na era pós-Saltillo, com cinco jogos efectuados, todos como capitão de equipa.
O FIM Inesperadamente colocado na lista de dispensados do Sporting no final de 1986/87, Manuel Fernandes aceitou o convite de Fernando Oliveira, seu antigo companheiro na CUF e na altura presidente do Vitória de Setúbal, para fazer uma última época como jogador, reencontrando Malcolm Allison, seu treinador aquando do segundo título conquistado ao serviço dos leões (81/82). Marcou 16 golos em 28 jogos, a equipa fez uma prova tranquila, com alguns pontos altos, mas em Maio de 1988 foi colocado perante novo desafio: acumular a função de jogador com o comando técnico da equipa, para substituir o treinador inglês nas derradeiras quatro jornadas do campeonato.
Em 1988/89, já só como treinador, levou o Vitória ao quinto lugar da I Divisão e ao sétimo na época seguinte. Seguiram-se passagens pela Ovarense e pelo Estrela da Amadora, regressando ao Sporting, pela primeira vez, em 1992, como adjunto de Bobby Robson. Em 1993/94 assumiu o comando do Campomaiorense (que trouxe à I Divisão), outra vez do Vitória de Setúbal, seguindo depois para os Açores, onde conduziu o Santa Clara da II B até à elite do futebol português. Voltaria uma vez mais ao Sporting, em 2000/01, para substituir Augusto Inácio. No final da época reviveu o momento difícil da separação, mas acabou por encontrar uma saída que o satisfez: viajou até aos Açores, para dar seguimento ao excelente trabalho iniciado em 1998.

Do livro: 100 Melhores do Futebol Português, da autoria de Rui Dias

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