quinta-feira, janeiro 18, 2007

Campeonato de Portugal e as Associações

O CAMPEONATO DE PORTUGAL
E A CRIAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES REGIONAIS

Excerto da História dos Desportos em Portugal
A despeito da boa vontade dos dirigentes da União Portuguesa de Futebol e do desenvolvimento da imprensa desportiva, que já começava a ter aceitação em vários pontos da província, a organização de associações regionais em 1921 era escassa.
Só Lisboa, Portalegre e Porto, no continente, e o Funchal nas ilhas adjacentes, podiam orgulhar-se – que orgulho era – de haver olhado o jogo com a devida atenção, fundando tais organismos.
Uma tentativa no Algarve, em 1914-15, durara essa época; nova tentativa em 1917-18, nem tinha chegado ao termo da temporada, pois os vencedores não foram apurados, de sorte que o futebol português, no continente, quando da estreia de Portugal em partidas internacionais, com o encontro Espanha – Portugal em Madrid, a 18 de Dezembro de 1921, circunscrevia-as a muito pouco em quantidade e, em qualidade, apenas a Lisboa e Porto.
No Funchal jogava-se com certo tino mas, afastado da capital, pouca projecção no continente tinha obtido, conquanto a visita do Club Sport Marítimo em 1912 houvesse deixado satisfatória impressão das faculdades dos insulares.
A disputa daquela partida internacional do futebol português feita sem que houvesse ainda um torneio nacional para apuramento de um campeão nacional, torneio que em Espanha tinha começado em 1902 (e só dezoito anos depois o país entrara em competições internacionais), tinha colocado a nossa organização um tanto em situação de anomalia, pois, efectivamente, não fazia sentido que a escolha de um grupo internacional antecedesse o apuramento de grupos de clubes campeões do país.
A imprensa especializada já, timidamente e, portanto, sem insistência, havia sugerido a organização de torneios de tal natureza, mas a ideia germinara e desenvolvia-se mais na mente dos dirigentes e jornalistas, em conversas e em trocas de impressões, do que em artigos de jornal.
Em Portugal continental, em suma, o futebol que imediatamente antecedera o I Espanha – Portugal limitava-se aos campeonatos regionais de Lisboa e Porto, quanto a qualidade, e aos encontros entre as selecções das duas cidades, representando estas, à falta de melhor, as manifestações mais importantes do jogo, fora das competições regionais.
Ora os poucos torneios distritais eram por sua natureza isolados e os referidos matches Lisboa – Porto, embora muito proveitosos para o desenvolvimento dos melhores jogadores dos dois centros, vago beneficio poderiam criar para os restantes distritos, onde o futebol, valha a verdade, ia interessando a mocidade e ganhando cada vez mais adeptos.
A resolução de última hora, tomada quase apenas pelo secretário-geral da União Portuguesa de Futebol, em fins da temporada de 1921-22, época em que o Algarve fez terceira tentativa de organização regional e essa, finalmente, frutífera, de organizar o primeiro campeonato de Portugal, teve, portanto, a aceitação que merecia, pelo menos de uns centos de desportistas, que consideravam tal torneio como um direito das associações já organizadas e uma necessidade para a expansão nacional em que naturalmente se pensava.
O diferendo entre Porto e Lisboa, surgido quando dos preparativos do desafio Espanha – Portugal, em 1921, por susceptibilidades apresentadas pelos jornalistas nortenhos, teve até, com a resolução de se organizar o primeiro campeonato de Portugal, por convites especiais aos campeões das duas cidades, um ponto final adequado, pois que se dava aos jogadores do Norte como que a satisfação que o seu burgo procurava.
Este convite limitado aos campeões das duas cidades justificava-se, de resto, já por se ter feito tardiamente na época, já porque Portalegre e Algarve não teriam capacidade futebolística para competir.
Deu-se, no entanto, um caso curioso: a cidade do Porto exultou com a notícia da organização do campeonato, pois toda ela se considerava atrás da sua equipa representativa, ao passo que em Lisboa a satisfação não saiu, a bem dizer, do âmbito da massa associativa do Sporting; os demais clubes, interessados nos desafios que por essa altura se estavam a disputar com um grupo estrangeiro, como que se alhearam da contenda. Mas esta diferença de sentimentos voltou pelo tempo adiante, em relação a esta prova, a manifestar-se – vibração no público portuense e comodismo no lisboeta – a definir só por si como o bairrismo do Porto é diferente do de Lisboa, apenas por acidente posto em ebulição.
O primeiro campeonato de Portugal foi, como se disse, limitado aos campeões de Lisboa e Porto, respectivamente, Sporting Club de Portugal e Football Club do Porto.
Assentou-se em duas mãos, uma em cada cidade, e, se fosse necessário, por igualdade em vitórias ou em empates, terceiro jogo para desempate, sorteando-se o local do primeiro desafio e do decisivo.
Coube ao Porto ser local da primeira partida, e logo se verificou como a cidade queria ao seu campeão, pois o campo transbordou de público. Ganharam os nortenhos por 2-1, desafio disputado em 4 de Junho de 1922. O jogo decorreu em ambiente apaixonadíssimo, de que os lisboetas, no regresso, se queixaram amargamente.
A segunda mão, no Domingo seguinte, serviu para o público lisboeta, na maioria pertencente ao grupo interessado, reflectir os efeitos dos queixumes dos componentes do “onze” da capital.
Coube ao Sporting a vez de alcançar a vitória, por melhor score do que o do primeiro desafio: 2-0.
Com uma vitória para cada banda, tendo ambos os desafios transtornado o espírito dos espectadores e dos jogadores, é fácil compreender como despertou interesse o sorteio do campo para o terceiro jogo...
Foi de novo o Porto favorecido – mas o que se terá dito entre Sportingófilos, durante a viagem, e entre portuenses, aguardando os visitantes, talvez não seja muito fácil de imaginar...

I CAMPEONATO DE PORTUGAL
1921/22

Campeões Regionais

PORTO.........FootballClub do Porto
LISBOA........Sporting Club de Portugal
ALGARVE.....Sporting Club Olhanense
FUNCHAL....Club Sport Marítimo

Os campeões do Algarve e da Madeira não participaram por dificuldades organizativas e financeiras.

Final a duas “mãos” e desempate
(O vencedor teria de somar duas vitórias)

FC PORTO – SPORTING, 2-1
4-6-1922, Porto (Campo da Constituição)
Árbitro: Merick Barley (Inglês)
Marcadores: 0-1 Ramos (9), 1-1 Bastos (25), 2-1 Bastos (86)
FC Porto – Adolphe Cassaigne (Bel)
Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Tavares Bastos, João Nunes e Alexandre Cal.
Sporting – Charles Bell (Inglês)
Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, José Filipe e Henrique Portela; Torres Pereira, Francisco Marques, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro.

SPORTING – FC PORTO, 2-0
11-6-1922, Lisboa (Campo Grande)
Árbitro: Montero (espanhol)
Marcadores: 1-0 Portela, 2-0 Pereira
Sporting – Charles Bell (Inglês)
Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, José Filipe e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro.
FC Porto – Adolphe Cassaigne (Bel)
Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Tavares Bastos, João Nunes e Alexandre Cal.

FC PORTO – SPORTING, 3-1 (a.p.)
18-6-1922, Porto (Campo do Bessa )
Árbitro: Neves Eugénio (Académico do Porto)
Marcadores: 1-0 Balbino (51), 1-1 Ramos (70), 2-1 Nunes (100), 3-1 Brito (102)
FC Porto – Adolphe Cassaigne (Bel)
Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Alexandre Cal, Tavares Bastos e João Nunes.
Sporting – Charles Bell (Inglês)
Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, Filipe dos Santos e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro.

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9 Comentários:

Às 13:54 , Anonymous Anónimo disse...

Excelente artigo da arqueologia do futebol português. Parabéns.
Luís da Feira.

 
Às 05:07 , Anonymous Anónimo disse...

Deve acentuar-se a ideia de que, esta prova foi criada para encontrar o CAMPEÃO NACIONAL e não o vencedor da TAÇA de PORTUGAL, como muitos querem fazer crer. Aliás basta ler os jornais da época para se verem titulos como "o CAMPEÃO NACIONAL vai jogar aqui e acolá", etc.
A ideia de criar um Campeonato Nacional já vinha de trás mas, só nesta época foi possivel e, feita á pressa como bem disseste.
Portanto, este foi o 1º Campeonato Nacional e em 2006-07, disputa-se a edição nº86 da prova!
Um abraço

 
Às 10:49 , Anonymous Anónimo disse...

Bem visto konterman, sim senhor.
Mas os senhores das estatísticas do futebol português não quiseram incluír estes Campeonatos de Portugal na História dos Campeões Nacionais, se calhar para prestar vassalagem aos agora chamados grandes. É qua assim um Olhanense e um Marítimo não figuram no lote dos campeões nacionais.
Luís.

 
Às 21:16 , Blogger Daniel Barros disse...

Depois de deixar o comentário no post de Dezembro de 2006 entitulado "Síntese Histórica", deixo aqui também, já que é relativo à 1ª edição do Campeonato de Portugal (1921/22):

"Queria deixar só um apontamento relativamente aos campeões regionais na época de 1921/22, no final da qual se realizou a 1ª edição do Campeonato de Futebol.
Segundo as obras "Anuário do futebol português - 1927-1928" (de Ricardo Ornelas e Ribeiro dos Reis) e "Nomes e números do futebol português" (de Ricardo Ornelas, de 1950), para além do Sporting e FC Porto (respectivamente campeões de Lisboa e Porto), foram também campeões regionais o Olhanense (da do Algarve-Faro, não sei bem qual o nome do camp.regional nem da associação distrital) e o Marítimo (da Madeira-Funchal, e também não sei o nome exacto do camp. e da assoc.). A Assoc.Futebol de Portalegre só organizou camp.regional a partir de 1923/24."

 
Às 21:27 , Blogger Daniel Barros disse...

Deixei só este comentário porque é feita referência no texto a Portalegre
("Este convite limitado aos campeões das duas cidades justificava-se, de resto, já por se ter feito tardiamente na época, já porque Portalegre e Algarve não teriam capacidade futebolística para competir.")
e de facto, a assoc.distrital de Portalegre existia mas nem organizava camp.regional.
É apenas uma pequena correcção, relativa a um também pequeno pormenor do texto.

 
Às 16:33 , Blogger Unknown disse...

SOU BRASILEIRO E FILHO DE UM EX-JOGADOR PORTUGUES QUE DEVE TER JOGADO NOS IDOS DE 1932 A 1940 CHAMADO RUy Carneiro e tinha muita vontade de ter informações para mostrar aqui no Brasil a sua familia

 
Às 22:34 , Anonymous Anónimo disse...

sou neta de Clyde Barley e sobrinha neta de Merick Barley, gostaria de saber se me podem informar onde posso encontrar alguem da familia barley em Portugal

 
Às 22:56 , Anonymous Anónimo disse...

Apenas uma correcção a este excelente artigo sobre o 1.º Campeonato de Portugal.
O "Campo do Bessa" não era no Porto mas sim em FARO. Não confundir com Estádio do Bessa.
Portanto a primeira finalíssima do Campeonato de Portugal foi disputada no Algarve.
Cumprimentos.
Fernando Moreira - V. Real

 
Às 17:24 , Anonymous Anónimo disse...

Peço desculpa, a correcção que fiz está... errada. Tinha dados que indicavam que a finalíssima havia sido disputada em Faro. Falso, porque na época seguinte (1922-23) é que a Final foi disputada em Faro.
De facto o Campo do Bessa é no Porto. E foi através deste magnífico blogue que o descobri.
Mais uma vez as minhas desculpas.
Fernando Moreira

 

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